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Análise do Artista: Agnes Martin

Para Agnes Martin, a inocência das árvores poderia ser representada assim.

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Figura 1: Agnes Martin, The Tree (1964). Óleo e lápis sobre tela.

“Eu estava sentada pensando sobre a inocência, na verdade eu estava pensando sobre a inocência das árvores. Eu pensei que seria bastante fácil ser inocente se você fosse uma árvore. E surgiu na minha mente uma grade, você sabe, com linhas nesse sentido e linhas naquele sentido.”

Agnes Martin era uma artista americana conhecida por suas obras abstratas. Nascida em 1912, começou a criar telas abstratas durante década de 60,

caracterizadas pelas grades e cores sutis. Ao longo do tempo sua arte foi se transformando, fugindo da simetria das grades e cores fracas e aos poucos implementando o uso de cores mais vivas, como o rosa, amarelo e azul.

Martin buscava capturar emoções como a alegria e inocência em sua arte, sem o uso de símbolos ou ideias. Uma figura notoriamente reclusa, Agnes se recusava a dar entrevistas, e aos 55 anos se mudou para o estado de Novo México, e começou a levar uma vida de eremita. A artista acreditava que somente sozinha era possível encontrar total liberdade na mente. Durante toda sua vida havia sofrido de esquizofrenia, mas apenas em seus momentos finais revelou esse fato ao mundo, por receio de ser taxada com mais uma artista “outsider”, e suas obras e filosofia de vida consideradas apenas resultados de sua condição. Ela morreu em 2004, com 92 anos, em Novo México

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Figura 2: Fotografia de Agnes Martin.

As obras de Martin até esse dia fascinam muitos. Com suas linhas precisas e cores suaves, as telas convidam os espectadores para analisar, observar de diferentes perspectivas e refletir.

Emitem uma energia delicada, um fio de emoção pura desconectada do lógico, flutuando entre linhas e linhas, fugindo de sua percepção tal como as cores quase transparentes. É como se existissem já em algum canto da sua mente, apenas esperando para serem extraídas cirurgicamente com um bisturi. O conformismo e brutalismo da geometria é combinado com os detalhes humanos, as linhas trêmulas e falhas, a delicadeza se contrastando com as robustas formas geométricas. Tudo isso junto cria algo peculiar e impactante, uma experiência verdadeiramente única.

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Figura 3: Agnes Martin, Red Bird (1964). Tinta colorida e lápis sobre tela.

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Figura 4: Agnes Martin, Gratitude (2001). Tinta acrílica e lápis sobre tela.

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Figura 5: Agnes Martin, Mountain (1960). Tinta e lápis sobre tela.

Não há muito como explicar as obras dela, apenas existem, apenas são. Mesmo que eu mostre mil das pinturas dela, e tente analisar e ver o significado por trás, no final das contas sempre voltaremos ao mesmo conceito: a emoção. Agnes não pretendia fazer uma declaração política, ou uma obra cheia de simbolismo e mensagens escondidas entrelinhas, ela apenas pintava as imagens de emoção que vinham na sua cabeça.

Muitas vezes a Agnes Martin foi categorizada como minimalista, por conta da simplicidade de suas telas e seu uso de geometria. Porém, não poderia existir uma afirmação mais errônea. Enquanto o minimalismo buscava o impessoal, a ausência de sentimentos ou metáforas, a arte de Martin expressava o exato oposto, sendo fruto de pura emoção e influência pessoal.

“Eu estou simplesmente pintando representações concretas de emoções abstratas, como amor inocente, ou felicidade ordinária. Sim, eu quero uma resposta emocional. Eu pinto sobre emoções, e não linhas. A verdade é que não são as linhas em si que expressam as emoções, é a escala da composição. Sabe, se você entrar em um quarto que tem uma escala perfeita, você consegue sentir. É a mesma coisa com uma pintura. Se tiver uma escala perfeita, irá te impactar. Tem diferentes escalas para demonstrar emoções diferentes. O que importa é o espaço entre as linhas.”

Martin acreditava que a beleza ia além do olhar, e que tal conceito apenas florescia na mente, em que se desprendia do campo das ideias, da lógica, dos problemas cotidianos e se tornava algo primal, verdadeiro.

De acordo com a artista, ao vermos beleza recebemos dois estímulos, um do olho, com uma resposta objetiva, e outro da mente, com uma resposta não objetiva.

O olho interpreta a beleza através da lógica, usando símbolos e representações concretas. O problema disso para a Agnes Martin, é que a beleza resultante disso é esgotável, ao olhar várias e várias vezes chega uma hora que a beleza simplesmente some.

Enquanto isso, a mente recebe a beleza e reconhece nela a perfeição, e usa da emoção para interpretá-la. Livre de problemas cotidianos e das restrições da realidade, conseguimos chegar a uma reflexão sobre as verdades da vida. Esse tipo de beleza, pura, primal e sem amarras seria algo inesgotável. Seria universal e constante, ficcional.

Em suas obras Agnes capturava a essência dessa beleza transcendental e as emoções que vinham junto. Para ela, emoções passionais não eram duradouras o suficiente para atingir esse padrão de beleza eterna. Eram algo que embora intenso, a energia e sensação dessas emoções não poderia ser esticada ao longo do tempo, algo instável demais para suas pinturas, que buscavam encapsular emoções cruas nas telas. Agnes buscava por algo delicado e resistente, que se sustentaria não importasse quantas vezes fosse visto. Por isso, ela escolhia a felicidade, amor e inocência como objetos de sua arte.

Afinal, esses sentimentos em sua delicadeza e sutileza expressavam a beleza de maneira constante e neutra, algo sussurrado entre linhas. A beleza superficial e esgotável que nós consideramos padrão hoje em dia não é durável, embora impactante, no final das contas é apenas um grito no vácuo, algo insustentável e sem significado.

Agnes Martin, através de suas obras nos transporta para um lugar delicado, em que a beleza está embutida em tudo, um sussurro fraco, mas persistente, te atraindo e hipnotizando. Mesmo que não possua forma, está presente como uma energia etérea, fazendo das telas dela uma experiencia e não apenas pinturas. Durante todo este texto, tentei explicar o trabalho dela, mas honestamente, sinto que não consegui traduzir em palavras.

 

Mas acho que isto até foi adequado, pois afinal, como eu conseguiria colocar uma lógica ou sentido para algo tão fora disso? Considero que no final da conta é uma experiencia diferente para cada pessoa, para algumas meras linhas, para outros obras sagradas. Só espero que com este trabalho eu consegui passar esta mesma paixão que tenho para estas obras para você, espectador.

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Figura 6: Agnes Martin, I Love The Whole World (1999). Tinta acrílica e lápis sobre tela.

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Figura 7: Uma série de 6 pinturas da Martin, consideradas uma entidade única com o título With My Back to the World (1997). Tinta acrílica sobre tela.

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Figura 8: Agnes Martin, Friendship (1963). Folha de ouro e óleo sobre tela.

Agora para finalizar, uma história famosa sobre a artista:

Minha neta tinha uns 11 anos e estava no apartamento de Agnes. Lá tinha uma rosa num vaso e ela ficou hipnotizada pela flor. Agnes viu isso e pegou a rosa e disse:

“Essa rosa é bonita, Isabel?”

E Isabel disse:

“Sim, essa rosa é bonita.”

E aí Agnes colocou a rosa atrás de suas costas e perguntou a Isabel:

“Essa rosa continua sendo bonita?”

E Isabel disse:

“Sim, essa rosa continua bonita.”

Agnes então disse:

“Está vendo, a beleza não está na rosa, a beleza está na sua mente.”

 

Conectando:

Se você quiser explorar mais e se aprofundar na arte e filosofia da Agnes Martin, aqui estão uns outros materiais relacionados de outras áreas da arte.

· O meu vídeo “Beleza Além do Olhar”, do qual este texto foi inspirado, usa o recurso de audiovisual para ilustrar este texto com vídeos e músicas, além de mostrar várias obras da artista.

A música “RedBird”, de John Zorn é diretamente inspirada no quadro “Red Bird” de 1964. Zorn usa o jazz para expressar as emoções transmitidas na obra, fazendo um tributo à artista.

 

https://www.nytimes.com/2016/11/29/arts/music/can-you-hear-agnes-martins-serenity-in-john-zorns-frenzied-music.html

https://music.amazon.com/albums/B01MS2HZEK?do=play&ref=dm_ws_dp_ald_bb_phfa_xx_xx

 

· O documentário “With My Back to the World”, dirigido pela Mary Lance, é uma série de entrevistas com a Agnes Martin feito em um período de 4 anos, explorando a filosofia de vida da artista, suas obras passadas e métodos artísticos.

 

O título do documentário faz referência a modo de vida eremita que a Martin adere, se isolando em Taos, Novo México e pintando “de costas para o mundo”.

 

 

Trailer: Agnes Martin: With My Back to the World

Título 5
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